Minha filha morreu no seu sexto aniversário. Um homem acabou de me entregar fotos de seu sétimo.


Eu não consigo descrever como me sinto agora. O que estou vivendo é tão fora do comum que estou quase me convencendo de que finalmente fiquei louco.

Quase.

Minha esposa, Bea, morreu ao dar à luz. Ela era linda, engraçada, inteligente e extremamente teimosa. Uma mulher cuja risada era tão alta que comer em restaurantes era um desafio, e cujo olhar era tão intenso que fazia minhas mãos tremerem. Eu a perdi no parto de nossa filha.

Sam.

É claro que eu poderia ter culpado a Sam. Por ter me tirado algo que uma vez fora meu de forma que nada mais jamais havia sido. Por ter levado embora algo que era tão verdadeiramente e inteiramente puro. Mas não o fiz. Eu sabia que Bea não iria querer que houvesse algum ressentimento. Ela não iria querer que nossa única filha tivesse sua vida arruinada por mágoas.

Mas esse texto não é sobre luto. Não é sobre a dor de perder para sempre alguém que você ama. É sobre algo bem mais sinistro.

Minha filha era muito agitada, sempre correndo e gritando, subindo e descendo nos brinquedos do parquinho - causando o caos nas suas aulas do jardim de infância. Então, no seu sexto aniversário, uma comemoração com seus amigos no cinema a deixou com tanta energia acumulada que eu mal consegui acompanhá-la enquanto ela mergulhava e se esquivava entre as pessoas na calçada. De tempos em tempos, ela virava-se para trás, entre o oceano de pessoas, e gritava "Papai, vem logo!" em um tom quase que petulante. Era impossível para mim não amá-la.

Eu tentei acompanhá-la, realmente tentei. Ela se distraiu olhando para mim enquanto corria para a estrada, e o ônibus não teve tempo de parar. Então veio o terrível som do choque, e o mundo ficou em silêncio. Eu embalei seu corpinho destruído em meus braços, atordoado demais para chorar, machucado demais para me mexer. Tudo o que eu podia sentir era seu sangue morno penetrando suavemente pelas minhas roupas. No estado de choque em que me encontrava, só conseguia pensar em como faria para lavar meu jeans. Parece horrível, eu sei - mas uma perda como essa leva tudo embora, te deixando apenas com o processo básico de pensamento que nos torna humanos.

A semana seguinte foi um borrão. As peças parecem não se encaixar totalmente e não consigo situar os acontecimentos. Posso dizer que vários amigos e parentes vieram prestar suas condolências, e meu choro soluçante surgia por qualquer motivo - uma porta batendo, o suave zumbido da geladeira ou vozes rindo no rádio.

Fui ao seu funeral vestido inteiramente de preto. E não me refiro apenas às roupas, minha essência estava escura também. Eu não conseguia sentir ou pensar, e o dia continuou enquanto eu seguia com a maré, como um homem morrendo lentamente afogado. Todos queriam falar comigo sobre a Sam e o quão perfeita ela era - que ela era um anjo, como se eu não soubesse. Como se eu não tivesse consciência do presente que minha própria filha era.

Um homem se destacou do resto enquanto andava em minha direção e me entregou este grande livro de couro. Eu assumi, naquele momento, que fosse o pai de alguma das amigas de Sam, me entregando um álbum com suas fotos juntas. Mas talvez eu ainda estivesse muito perturbado para perceber como suas mãos eram geladas, ou até mesmo estranhar que ele não tenha mencionado o nome de minha filha ou prestado os seus pêsames.

Durante um mês, estive perdido. Enchi a cara e fiquei no nosso apartamento, agora vazio, sozinho, assistindo vídeos antigos - entorpecido demais para até mesmo chorar. Foi apenas quando minha irmã veio me visitar, quando ela segurou minha mão e conversou comigo, que eu comecei a sair da concha. Ela sentou e escutou tudo que eu tinha pra dizer, independente de quão banal parecesse, e gentilmente me incentivou a sair do luto. Não completamente, mas o bastante para que eu conseguisse voltar a ter uma vida quase normal.

Foi aí que abri o álbum. Decidi que queria me lembrar de Sam da forma que ela realmente era, sempre animada, e estava pronto para refletir sobre a sua vida sem me sentir miserável.

Abri a primeira página. Era basicamente uma montagem, cheia de fotos Polaroid de minha filha crescendo. Franzi minha sobrancelha. Elas foram tiradas a distância, ligeiramente embaçadas - e eu estava em algumas delas.

Comecei a me sentir enjoado, mas esperava que as próximas fotos fossem me dar alguma explicação. Criei várias teorias que pudessem explicar o porquê daquele homem ter esses retratos, desesperado para ver os momentos da vida de minha filha sem o sentimento de apreensão que este livro me trazia. As fotos se aproximavam cada vez mais do seu sexto aniversário. Encontrei uma do dia em que lhe dei sua primeira bicicleta, quando fez cinco anos, e outra com os joelhos ralados que se seguiram. O álbum tinha ainda tantas páginas que assumi que sua maioria estivesse em branco.

Havia uma foto dela antes de irmos para sua festa no cinema - eu podia reconhecer aquela capa de chuva rosa que ela insistira em colocar, e minhas mãos em seus ombros.

Nenhuma foto do acidente.

Em vez disso, sua vida continuou através do álbum. No seu aniversário de sete anos, tinha uma foto minha com ela no jardim, cobertos de tinta - com uma grande tela no chão e uma pintura totalmente bagunçada. Seu sétimo aniversário.

Seu sétimo aniversário.

A realidade do que eu estava vendo me atingiu em cheio e fechei o livro imediatamente. Sentei-me na mesa da cozinha, e o fiquei encarando. Tinha que ser alguma espécie sádica de photoshop. Eu esperava que fosse. Alguém gastou seu tempo para pregar uma pegadinha terrível em mim. Eu disse que esperava porque, basicamente, não podia acreditar em outra explicação. Isso é, se é que há alguma.

Rangendo os dentes, decidi que eu não tinha nada a perder e continuei olhando.

Não posso explicar o que senti enquanto folheava o álbum, escutando o som das páginas passar. Posso até tentar, mas nada te prepararia para algo como isso.

Sua vida continuava, vi ela perdendo seus dentes de leite, e também seu primeiro dia na escola secundária. Passei a virar as páginas mais freneticamente, e comecei a perceber algo. O fotógrafo estava se aproximando. Se aproximando dela. Enquanto ela ficava mais velha - não em todas fotos, mas com uma tendência geral - o fotógrafo estava cada vez mais perto. Mais ousado, talvez.

Ela era linda. Deslumbrante. Quando adolescente, era a cara da mãe, com o mesmo cabelo e sorriso. Eu envelheci também, mas as fotos passavam a me incluir cada vez menos.

Seu aniversário de 16 anos foi muito estranho. Ela estava com um grupo de amigos, sentada do lado de fora, bebendo em copos de plástico num piquenique. Mas tinha alguém no fundo. Perto dos arbustos do parque onde essa foto foi tirada, uma figura escura estava parada. Passaria imperceptível se não fosse pela pequena sombra que ele deixava na grama.

Me recostei para trás por um momento e respirei fundo. Isso era muito estranho. Estive tão encantado em assistir minha filha crescer que nem por um instante pensei em como isso iria acabar. Situações como essa são tão surreais que às vezes você se remove delas. Eu quase sentia como se estivesse me observado ver essas fotos, como se fosse um sonho, ou um programa de televisão.

Continuei.

A figura escura se tornava cada vez mais presente em cada fotografia. Era quase possível decifrar seus traços. Sua presença era enorme e, enquanto eu virava as páginas, esperava que ele desaparecesse. No entanto, quanto mais o fotógrafo se aproximava dos seus dezoito anos (cada aniversário era marcado por uma legenda embaixo das Polaroid escrito "Mais um ano."), maior era a participação daquela figura nas fotos. Pior, minha filha não estava mais em algum lugar que eu reconhecesse.

Ao invés disso, as fotos eram numa casa mal iluminada. Seu rosto estava contorcido de medo, e ela aparecia em todos os tipos de poses estranhas. Às vezes ela estava vestida como uma rainha da antiguidade, ou como uma empregada esfregando o chão. Não importava como estivesse vestida, em todas as fotos, seu rosto mostrava uma expressão desesperada de dor. Isso me matava. Havia hematomas em seu rosto. Ela parecia magra, até doente. E a figura estava ainda mais próxima agora. Suas pernas, ou seu braço, apareciam em cada uma das fotos

Eu não podia mais fazer isso.

Era doentio. Certamente, doentio.

Minha garota.

A última foto que olhei, antes de fechar bruscamente o álbum e jurar nunca abri-lo novamente, foi de seu aniversário de dezoito anos. A legenda dizia "Finalmente!" em uma escrita desleixada.

Ela estava olhando diretamente para a câmera, chorando. Estava de joelhos, usando um vestido de noite preto - com uma maçã em sua boca e as mãos amarradas nas costas. Sua maquiagem, arruinada pelas lágrimas. Era quase como se ela estivesse me pedindo, me implorando, para que ajudasse. Mas eu não podia.

Eu fechei o álbum e saí do quarto, meu corpo inteiro tremendo com os soluços.

Eu não podia chamar a polícia, é claro. Ela estava morta.

Mas o pior, o que me mantém acordado durante todas as noites, não são as fotos que vi.

É que ainda havia muitas páginas restantes.

Traduzido e adaptado por Refúgio do Terror.
Fonte: https://www.reddit.com/r/nosleep/comments/2pp54a/my_daughter_died_on_her_sixth_birthday_a_man_just/

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