Quarto 733


O quarto do suicídio. Foi assim que eles chamaram o quarto 733 – como se eu já não tivesse o bastante com o que me preocupar no meu primeiro dia como caloura.

Nós fomos colocadas no quarto 734, que não era um dos agradáveis novos quartos do corredor sul. Não, nós ficamos na ala mais antiga do 7º andar. Mas eu não fiquei tão chateada assim, pelo menos eles concederam o meu pedido de ficar com minha melhor amiga.

Lydia e eu passamos a maior parte da manhã fazendo a mudança. Quando nossa orientadora passou pelo quarto eu estava colando alguns posters na parede e Lydia estava lendo.

“Olá, meninas! Eu sou a Beth!” a loira entrou cantarolando em nosso quarto. “Eu serei a orientadora de vocês este ano.”

“Oi”, eu a cumprimentei

“Uau, vocês duas trabalham rápido!” ela disse ao ver nossas camas e roupas já arrumadas.

Beth pegou um dos desenhos do Cthulhu que Lydia fez durante as férias de verão. Ela virou o desenho de lado, estudando-o.

“É o kraken de Piratas do Caribe?”

Lydia a encarou por cima de seu livro de forma nada simpática.

“Enfim...” a orientadora continuou, “Eu sei que este corredor não é tão novo quando o da ala sul mas, confiem em mim, tem muita história aqui. Esta construção tem quase 60 anos!”

“Sim, dá pra ver” eu disse olhando em volta. “Os quartos são bem pequenos”.

“Bem, as pessoas eram menores nos anos 50.” Beth deu de ombros.

“Realmente” Lydia disse secamente.

“Uhum” Beth apertou os lábios e apenas continuou ali parada, enquanto a sala se enchia de um silêncio constrangedor.

“Então,” eu disse, “o quarto ao lado do nosso – 733, certo? Ele parece bem maior que esse. Ele já está ocupado ou será que poderíamos-"

“Oh, você não quer aquele quarto.” Beth me interrompeu. “Ocorreram dois suicídios ali. Uma se enforcou e a outra pulou da janela, se bem me lembro. Eles não permitem que ninguém pegue aquele quarto. De qualquer forma, eu só queria lembrá-las de que este é um andar só de garotas e garotos não são permitidos aqui depois das 23.”

Antes que pudéssemos respondê-la Beth bateu as mãos e com um rápido “Foi um prazer conhecê-las” saiu de nosso quarto.

Lydia colocou seu livro na cama e olhou para a porta. “Eu a odeio.”

“Você ouviu a bomba que ela soltou?”

“Eu irei chamá-la de Beth Burra.”

“Lydia, sério. Suicídios?”

“Ah, Becca, relaxa. Todo campus tem alguns suicídios.”

“Sim, mas no mesmo quarto?”

Lydia suspirou. “Sério, quem liga? Não é o NOSSO quarto.”

“Sim, eu acho que sim.” Virei-me para estudar a pequena janela. “Você consegue imaginar escalar para fora dessa janela e pular? Você ainda estaria viva por pelo menos 5 segundos antes de atingir o chão.”

“Que droga, Becca, você pode não falar sobre isso?” Lydia olhou para a janela e estremeceu. “Você sabe que eu morro de medo de altura e apenas tocar no assunto já me deixa arrepiada.”

“A gente bem que podia mudar para o quarto do suicídio,” provoquei, “ele tem uma janela em cada parede.”

“Vai se ferrar.”

“Okay, okay. Mas sério, cara. Seria preciso muito empenho para espremer-se para fora desta janela minúscula.”

“Sim... Bem, lembre-se, aparentemente as pessoas eram menores antigamente.” Lydia murmurou enquanto afastava sua cama ainda mais da janela.

Como Lydia era uma pessoa extrovertida e muito simpática, não demorou para que fizéssemos amigos. Tiveram muitas festas nas primeiras semanas, e, numa destas, Lydia inevitavelmente conheceu um cara. Eu conhecia essa menina desde quando usávamos fraldas então já imaginava que até o fim de setembro ela estaria namorando. O nome dele era Mike e ele não tinha nada de especial; apenas outro idiota de uma fraternidade.

Depois de mais ou menos um mês no campus a sensação de novidade começou a passar. Lydia e eu passávamos mais fins de semana estudando do que bebendo. As provas estavam chegando e eu queria manter as notas acima da média pelo menos no primeiro semestre.

Uma noite, no início de Outubro, eu fui acordada por um som muito alto. Eu me sentei na cama  e me esforcei para ouvi-lo novamente. Lydia também estava acordada, tentando escutar.

TUM

“Mas que droga?” Ela murmurou para mim.

Não era incomum ouvir barulhos vindo dos corredores, uma vez que outras pessoas passavam por ali altas horas da noite. Mas aquele som definitivamente vinha do quarto ao lado, o vazio.

SCRATCH

“Isso é-”

“Sim,” Lydia sussurrou. “É a janela do quarto ao lado.”

Por insistência de Lydia nossas janelas ficavam sempre fechadas. Não havia dúvidas de que aquele som era o da janela do quarto 733 sendo aberta e fechada, em intervalos regulares.

TUM

“Quem está lá?”

Lydia deu de ombros.

“Será que tem alguém tentando nos assustar? Tipo uma iniciação?”

Lydia levantou uma sobrancelha. “Iniciação a quê?”

“Eu não sei. Faculdade? Talvez seja um trote pros calouros?”

SCRATCH (abriu novamente)

“Quem estaria dando trote nos calouros a esta hora da noite?”

Eu dei de ombros.

TUM (fechou)

“Becca, eu te amo, mas isso foi idiota.”

Eu joguei um travesseiro nela. “Bem, seja lá quem for, vá dizer para que parem de bater a porra da janela.”

“Eu?! Não vou me arriscar a ser jogada do 7º andar.”

SCRATCH

“Bem, eu não vou!”

“Eu sou uma aluna de artes. Você, de ciência política. É VOCÊ quem tem que ir lá estabelecer a lei.”

“Vai se fuder.”

“Então chame a Beth Burra. Não é desse tipo de coisa que ela tem que cuidar?”

TUM

“Eu não vou chamá-la. Não coloque a responsabilidade em mim.”

“Tudo bem então,” Lydia suspirou, “vamos tentar ignorar e dormir.”

“Eu tenho aula às 7:30!”, eu sussurrei.

SCRATCH

“Então faça alguma coisa.”

“Ugh!” Eu levantei da cama e bati os pés até a porta, abrindo-a de forma dramática. Caminhei até o quarto 733, onde tinha um pequeno aviso escrito “Quarto de Armazenamento”

“Tem pessoas tentando dormir, então por favor, pare.” Nenhuma resposta.

TUM

“Cara, é sério...” Suspirei.

Afastei-me da porta e imediatamente percebi um problema. O quarto 733 estava trancado com um cadeado pelo lado de fora. Corri de volta para o meu quarto.

“O que aconteceu?” Lydia perguntou.

“Eu nunca mais vou chegar perto daquela droga de quarto. Ele está trancado pelo lado de fora; eu não tenho ideia de como alguém poderia ter entrado lá.”

“Então você está dizendo que tem um fantasma?” Lydia riu.

“Não, eu estou dizendo que alguma porcaria assustadora está acontecendo dentro daquele lugar que por acaso é conhecido como Quarto do Suicídio.”

Lydia bufou e se endireitou para dormir. “ Você devia estar cursando teatro.”

Nós não voltamos a ouvir as janelas de novo naquela noite, mas na manhã seguinte você podia ver claramente que elas estavam abertas agora.

Eu continuei observando as janelas do quarto 733 por uma semana e elas continuavam abertas. As vezes, durante a noite, eu ouvia barulho de coisas rolando pelo chão. Como isso não acordava a Lydia, não quis incomodá-la contando sobre.

Numa tarde eu estava sozinha no quarto, editando alguns textos no meu notebook. Eu estava de fones de ouvido, mas a música não estava alta o bastante para me impedir de ouvir alguém batendo na porta.

“Pode entrar.” Eu disse sem tirar os olhos da tela.

Passaram alguns segundos e então ouvi o barulho de alguém batendo de novo. Eu tirei meus fones de ouvido e fechei o notebook, me virando para olhar.

“Pode ent-”

Mas que droga? A porta que dava para o corredor já estava aberta. Eu tinha deixado aberta de propósito, porque o Ian (um  cara com que eu estava ficando) viria aqui. Eu ouvi o barulho de novo, de trás de mim, e literalmente pulei da cadeira.

Estava vindo do outro lado do quarto – da porta do armário. Ele ficava na parede que dividíamos com o quarto 733.

“Lydia, isso não é engraçado.”

Nada.

“Lydia, eu juro por Deus, que vou quebrar a sua cara.”

Silêncio. Andei até a porta do armário e segurei a maçaneta.

“Lydia, você é uma...”

“Uma o quê?”

Sua voz veio da porta – atrás de mim. Eu soltei a maçaneta e cambaleei para trás, com os olhos arregalados. Lydia jogou suas coisas na cama e se virou para mim, cruzando os braços.

“Eu sou uma o quê?”

“Eu... Eu pensei que você estava escondida no armário.” Eu respondi envergonhada.

“O quê? Por quê?” 

“Porque alguém estava batendo na porta.”

“Meu Deus, Becca.” Lydia bateu na testa e caminhou até o armário, abrindo-o. Não tinha nada além de roupas e caixas. Ela me olhou como se dissesse “O que vai dizer agora?”

“Eu juro...”

“Becca, não tem ninguém aqui.”

“Mas eu sei que ouvi.”

Nós ficamos nos encarando por um tempo, até nossa discussão silenciosa ser interrompida pela chegada do Ian.

Ele imediatamente percebeu a tensão no quarto. “E aí, meninas? O que tá rolando?”

Eu olhei de forma hostil para minha colega de quarto. “Tem algo de estranho acontecendo com o quarto vizinho. Mas isso não é não nenhuma novidade.”

“Qual quarto? 735? Ou o vazio?”

“O vazio” Lydia enfatizou.

733. Bom, não estou nem um pouco surpreso. É o quarto do suicídio.”

“É, nós ouvimos sobre as mortes.” Eu sentei na minha cama.

“É bem estranho. Três suicídios no mesmo quarto.”

“Três?” Lydia levantou uma sobrancelha. “Nos disseram que foram dois.”

“Bem, foram duas pessoas nos anos 70, e um cara há uns 10 anos atrás. Ele pulou da janela.”

Lydia e eu estremecemos. Mesmo que para ela fosse pior, nós duas morríamos de medo de altura. Não podia imaginar uma morte pior do que cair de um lugar alto.

“Eu admito que três suicídios no mesmo quarto é perturbador.” Lydia disse em tom de desculpa.

“É, eu ouvi que tem algo de estranho naquele quarto.” Ian comentou.

“Tipo o quê?”

“Ninguém sabe, mas todo ano tem uma nova teoria. Geralmente perto do Halloween eles publicam alguma coisa no jornal do campus. Mas, seja lá o que for, com toda certeza não é amigável.”

“Mas alguém já se matou nos quartos vizinhos? Tipo esse?”

“Não, apenas no 733. Honestamente, eu fiquei surpreso quando ouvi que eles estavam abrindo o corredor norte este ano.”

“Eles disseram que éramos a maior turma de calouros em 20 anos.” Eu disse.

“É, eu ouvi isso também. Sabe, vocês podem pedir para mudar de quarto.” Ian sentou-se no meu lado e eu encostei minha cabeça em seu ombro.

“Sim, mas eles não iam nos deixar juntas novamente.” Lydia respondeu. “Becca e eu somos melhores amigas há 15 anos. Nós não vamos dividir quarto com outras pessoas.”

“Então a gente continua morando aqui, do lado de Satã?” Eu olhei para a porta do armário novamente.

Lydia deu de ombros. “Pelo menos vamos ter algumas histórias para contar depois de nos formarmos.”

“Esse não é tipo de história que eu quero contar.”

Alguns dias depois Lydia começou a acreditar na minha história do armário. Eu acordei no meio da noite com o som de alguém sussurrando. Olhei para Lydia, que já estava me encarando de olhos arregalados. Ela lentamente levou um dedo até os lábios, indicando para que eu continuasse em silêncio.

Eu ouvi atentamente, tentando entender o que a voz estava dizendo e de onde ela estava vindo, mas eu não conseguia entender nenhuma palavra. Eu saí de minha cama e fui até a dela na ponta dos pés. O sussurro definitivamente estava mais alto lá (a cama dela era mais próxima da parede compartilhada com o quarto 733...). Eu escutei com dificuldade.

...nunca...deveria ter pego...bocas...de tolos...

Mas que porra? Lydia chegou mais perto e encostou a orelha na parede. Os sussurros pareciam ter ficado ainda mais baixos e eu também me aproximei. De repente, houve um grande estrondo do outro lado. Lydia imediatamente recuou e segurou sua orelha em dor.

Tinha alguém lá. Com mais raiva do que medo, eu abri a porta do meu quarto e fui novamente até o suposto quarto vazio. Bati com força na porta, sem me importar se acordaria alguém.

“Você tá de sacanagem?!” Eu gritei. “Essa droga não tem mais graça. Saia dessa porcaria de quarto, seu babaca.”

Silêncio. E então a maçaneta começou a girar.

Eu não sei o que eu estava esperando que acontecesse, mas com certeza não era isso. Eu me afastei o máximo possível da porta, me apoiando na parede atrás de mim. Quando a maçaneta tinha girado por completo, algo começou a tentar empurrar do outro lado. A porta rangeu alto, mas os cadeados a mantiveram fechada.

Eu segurei minha respiração até que a pressão na porta diminuiu e a maçaneta voltou à sua posição normal.

Notei que Lydia estava espiando, com a cabeça para fora do quarto. Ela ergueu as mãos como se perguntasse o que aconteceu? 

“Alguém se acha muito engraçadinho.” Respondi em voz alta. Ela assentiu e voltou para dentro do nosso quarto.

Eu me ajoelhei e apoiei minha cabeça no chão, tentando espiar por baixo da porta. Era a primeira vez que eu via o quarto por dentro.

O quarto 733 era definitivamente um quarto de armazenamento. Tinha cadeiras empilhadas encostadas numa parede e cabeceiras de cama na outra. Alguns colchões apodrecidos estavam amontoados perto de uma janela e uma espessa camada de poeira cobria tudo. As janelas eram enormes, algo que não dava para perceber só de olhar por fora do prédio. Estavam abertas como sempre e eu entendi como era fácil alguém pular dali.

O quarto parecia estar vazio há algumas décadas o que me deu um arrepio na espinha.

A luz da Lua estava me fornecendo luz o bastante para ver o quarto, mas subitamente sumiu e tudo o que eu enxergava era escuridão. Eu pisquei rapidamente, tentando ajustar minha visão noturna. Fechei meus olhos, apertando-os, e quando os abri novamente, um grande olho amarelo me olhava de volta pelo outro lado da porta, apenas alguns centímetros nos separando.

Eu gritei e acordei metade do dormitório.

Não havia como negar que as coisas estavam piorando. Na manhã seguinte, Lydia e eu deixamos as papeladas com o pedido para mudança de quarto no Setor de Residência e esperamos pelo melhor. Nesse meio tempo, concordamos em nunca ficar sozinhas no nosso quarto durante a noite. Ou nós duas dormiríamos lá, ou nenhuma das duas. Começamos a passar a maior parte das noites com nossos respectivos namorados.

Eu contei pro Ian tudo o que tinha acontecido e ele sugeriu que eu falasse com a Sociedade Paranormal do campus. Hesitante, marquei um encontro. Lydia e eu nos encontramos com um garoto pequeno e devidamente vestido para a ocasião chamado Craig e quatro de seus “companheiros” na terça-feira seguinte.

Nós contamos para eles tudo o que conseguimos lembrar, todos os incidentes, não importa o quão pequenos fossem. Craig e os outros quatro membros da Sociedade Paranormal escutaram e tomaram notas silenciosamente durante meia hora. 

“Isso é tudo?” Craig perguntou.

“Sim...” Eu disse calmamente.

“Vocês se importam de esperar um pouco no corredor para que eu possa discutir algumas coisas com meus companheiros?”

“Claro.” Lydia sorriu de forma simpática e se levantou. “Tudo o que você precisar.”

A porta mal tinha se fechado quando Lydia bufou e revirou os olhos. “Vamos.”

“Vamos para onde?” Eu perguntei.

“Você tá falando sério?”

“Lydia, vamos lá, nós precisamos de ajuda, eu estou surtando. Nós não temos passado nenhuma noite sequer no nosso quarto desde quinta passada. Isto não é algo que a gente pode simplesmente deixar pra lá.”

“Okay.” Ela levantou as mãos. “Vamos ouvir o que eles têm a dizer e depois vamos no Setor de Residência conferir nossos pedidos de mudança.”

Nós esperamos no corredor por mais 15 minutos antes de Craig nos chamar para entrar novamente.

Com toda a pompa de uma reunião de séria, Craig limpou a garganta e fez seu diagnóstico.

“As senhoritas estão lidando com um fantasma muito bravo.”

“Essa é a sua opinião profissional, Craig?” Lydia perguntou.

“Si-sim,” ele gaguejou. “Um espírito vingativo.”

“Um espírito?” Eu perguntei. Eu duvidava muito que isso fosse com o que estávamos lidando.

“Sim,” um dos outros meninos respondeu. “É o que os leigos chamam de fantasma.”

“Pelo amor de Deus!” Lydia resmungou enquanto massageava as têmporas.

Confundindo a frustração de Lydia com desespero, Craig apressadamente retomou seu discurso.

“Nada temam, senhoritas! Nós iremos cuidar de vocês. É verdade que espíritos podem ser uma baita dor de cabeça se vocês não sabem como cuidar disso, mas é por isso que vieram até nós. Suicídios quase sempre terminam com fantasmas raivosos, eles procuram se vingar.”

“Se vingar de quem?” Eu perguntei.

“Dos outros estudantes. Talvez esse espírito tenha sido forçado a tirar a própria vida e agora atormenta os outros.”

“Ah, escuta-”

“Nós podemos cuidar disso para vocês agora mesmo, tudo o que pedimos em troca é uma pequena doação para nossa sociedade.” Craig continuou. “Nós, honestamente, não tínhamos percebido que aquele quarto estava com essa atividade toda. É muito excitante.”

“Ótimo. Bem, obrigada pelo seu tempo.” Lydia disse enquanto segurava minha mão e me puxava para fora da sala.

“Você quer deixar algo combinando para este fim de semana?” Craig perguntou.

“Quer saber? A gente te liga.”

Ela continuou me arrastando, com um olhar cansado no rosto, e não falamos nada até estarmos quase chegando no prédio da administração.

“Aquilo foi perda de tempo.” Ela disse.

“Olha, não é que eu esteja discordando de você, mas-”

“Becca, por favor, me diz que você não acreditou naquilo.”

“Então, você não acha que tem um... um...” Eu estava embaraçada apenas de dizer tal palavra, parecia tão ridículo. “...fantasma?”

“Bem, eu não tenho ideia, mas eles também não. Aquele cara não tem ideia do que estava falando.”

Abaixei meu capuz enquanto entravamos na fila para a recepção do Setor de Residência.

“Deixa eu colocar desta forma.” Lydia continuou. “Eles estão brincando de Ghostbusters e nós estamos vivendo a droga de O Exorcista.”

“Tá.” Eu suspirei. “Então, o que você quer fazer? Continuar dormindo com nossos namorados até que sejamos realocadas?”

“Eu só quero que isso acabe logo.” Lydia cruzou os braços e olhou fixamente para frente. Eu também quero que isso acabe logo... Mesmo que viver ao lado daquele quarto não fosse exatamente assustador, com certeza era um incômodo.

“Certo, bem, eu acho que provavelmente nós estamos a salvo durante o dia então, desde que a gente não durma lá, deve ficar tudo bem. Nosso quarto é só do lado do quarto assombrado, afinal, e logo mudaremos de quarto.” Eu olhei meu relógio. “Droga, são quase 14 horas.”

“Sério?! Eu tenho que ir. Mike foi aceito na Sigma Chi e a iniciação é hoje.”

“Ah, sim, eu tinha esquecido.”

A garota na recepção acenou para a gente. Eu nem tinha percebido que chegara nossa vez.

“Depois me conta como foi.” Lydia disse antes de sair correndo.

A garota na mesa me olhava de forma suspeita quando me aproximei.

“Oi, eu sou-”

“Você é a garota que quer sair do 734, não é?”

Ela me pegou totalmente desprevenida. “Sim, uma delas. Como você sabe?”

“Desculpe, eu escutei vocês conversando. Eu também vi seus papéis na minha mesa outra dia e preciso perguntar: por que exatamente vocês querem mudar de quarto?”

Eu estava cansada e muito abatida. Não tinha nenhuma energia para pensar numa mentira.

“Porque tem algo acontecendo no quarto vazio do lado e está nos enlouquecendo. Barulhos, sussurros, batidas, outra noite eu até vi alguém...”

“Você viu alguém?”

“Aham”

“No quarto 733?”

“É. Eu olhei debaixo da porta. Definitivamente tinha alguém lá dentro.”

A garota cerrou os olhos para mim e depois assentiu sem nenhum motivo particular.

“Bem, os quartos de vocês ainda não estão prontos mas as coloquei como prioridade. Só que, por enquanto, vocês ainda estão presas. Não tem nenhum lugar para colocá-las.”

Eu suspirei. Já imaginava que isso ia acontecer.

“Meu nome é Alice,” ela continuou, “e, olha, eu já li muito sobre os suicídios do 733 e acho que posso ajudar. Ou, pelo menos, dar algumas dicas.”

“Sério?” Eu perguntei hesitante.

“Totalmente. Meu quarto é no 3º andar, 310. Eu vou estar lá às 16.”

“Obrigada. Nós acabamos de sair da Sociedade Paranormal do campus.”

“Ugh, não precisa dizer mais nada.” Alice revirou os olhos.

“Pois é. Então... Definitivamente nos vemos às 16.”

“Ótimo.” Alice disse sorrindo.

Eu cheguei cedo, mas ela também. Contei nossa história pela segunda vez naquele dia e Alice não teve medo de interromper com perguntas, confirmando se havia entendido corretamente e se suas pesquisas se enquadravam.

Quando terminei ela recostou-se na cadeira e suspirou profundamente.

“Eu não posso acreditar nisso,” ela sacudiu a cabeça. “Eu sempre ouvi rumores, mas honestamente duvidava muito de que fossem verdade.”

“Eu posso assegurar que tudo o que te contei é absoluta verdade.”

“E como é agora? Quando você está lá?”

“Nós não ficamos lá durante a noite, mas mesmo de dia dá para escutar algo arranhando as paredes, sussurros muito baixos e as vezes ainda ouvimos as janelas abrindo e fechando. Em plena luz do dia. Mas sempre que eu olho do lado de fora do condomínio, as janelas do 733 estão abertas.”

Alice assentiu. “Bem, pelo o que você disse, eu não acho que vocês estejam em perigo. Por mais que seja chato, vocês são simplesmente uma casualidade. Vocês só precisam ficar fora do quarto 733.”

Eu bufei. “Você tá de brincadeira, né? Eu nunca entraria lá.”

“Eu sei que você acredita nisso. Mas essa coisa, seja lá o que for, é complicada. Manipulativa. Uma mentirosa. E é mais esperta que você.”

“Vou tentar não me ofender com isso.”

“E nem deve.”

“O que você acha que é?”

“Alguma coisa muito antiga e muito cruel.”

Eu a olhei ceticamente, e em seguida, passei os olhos no quarto dela. Eu não tinha reparado na decoração antes mas dizer que Alice tinha um interesse pelo oculto era um eufemismo.

“Não consigo imaginar nenhuma situação na qual eu seria levada a entrar naquele quarto.”

“Eu sei. Mas você tem que estar preparada, porque pode chegar um momento em que você será induzida a entrar naquele quarto. Nós não sabemos com o que você está lidando. Essa coisa já matou cinco pessoas.”

“Cinco?! Eu pensava que tinham sido três!”

“Sim, bem, nem todo mundo tem interesse em fazer pesquisas no mesmo nível que eu. Vamos ver, teve Ellen Burnham em 1961 – ela pulou da janela. Ela foi a primeira. E depois Tad Collinsworth em 1968, ele também pulou. Marissa Grigg em 1975, se enforcou. Erin Murphy em 1979 – ela pulou. E, por último, Erik Dousten em 1992 – ele se enforcou.”

“Cinco suicídios. Como a universidade ainda deixa que alguém more lá?”

“Aparentemente, eles não deixam. Por isso é o quarto de armazenamento.”

“E antes?”

“Bem... Depois de alguns anos, quando todos que ainda poderiam ter alguma memória dos acontecimentos já tinham se formado, eles voltavam a colocar gente no quarto. Isso antes da internet, claro, quando os calouros não tinham nem ideia sobre os incidentes. Mas depois do último – Erik Dousten – eles fecharam todo o corredor norte do 7º andar e construíram mais quartos no corredor sul.”

“E o quê essa coisa quer?”

Alice deu de ombros. “Caos. Morte. Almas. Quem sabe? Ninguém sequer sabe o que é isso.”

“Certo. Então, o que nós sabemos?”

“Nós sabemos que ela está, de alguma forma, ligada a esse quarto e parece ter uma influência mínima no lado de fora dele. Nós sabemos que todos que morreram estavam sozinhos no momento. E nós sabemos que é uma trapaceira. Isso é tudo o que sabemos.”

Não era o bastante. “Por que você acha que elas fazem isso?” Eu perguntei quase num sussurro.

“As vítimas?”

Eu assenti.

“Tudo o que eu sei são os boatos sobre o que está nos arquivos de evidência. Aparentemente foram encontrados textos e imagens considerados indescritíveis na época, no local dos suicídios. Eram coisas horríveis, cheias de pura maldade, que fariam qualquer um que as lesse ou visse ficar extremamente mal; é o que dizem.”

“E essas pessoas, elas que desenharam e escreveram essas coisas?”

“Uhum. O que quer que tenha naquele quarto as enlouqueceu.”

“Isso é assustador.”

“Vocês já consideraram chamar alguém para benzer o quarto?”

“Meu Deus.”

“Bem, acho que vai ser um pouco difícil contactá-lo e tal, talvez outro tipo de pessoa sagrada.”

“Não, eu quis dizer, meu Deus, você está falando sobre um exorcismo.”

Alice deu de ombros. “Talvez. O rumor nos anos 70 é que isso tudo tinha começado com um jogo no tabuleiro de Ouija que deu errado em 1961.”

“Sério? Essa droga é feita pela Hasbro.”

“Não em 1961. De qualquer forma, é só um boato. A única pessoa no campus que pode saber a verdade é Tom Moen, da administração. Eu tentei falar com ele algumas vezes, mas ele se recusa a me ver.”

“Ele estava aqui em 1961?”

“Sim. E na mesma ala que você.”

“Nós temos que falar com ele. Eu preciso saber o que está acontecendo ou não vou ser capaz de viver o resto da minha vida em paz, como uma pessoa normal.”

“Eu acho que podemos procurá-lo pelo campus.”

“Podemos falar com ele amanhã?”

“Podemos tentar.”

O senhor Moen não iria nos ver no dia seguinte, e nem no próximo. Nós tentamos encontrá-lo em seu horário de almoço e quando estava indo embora, mas ele sempre conseguia escapar. Ficou bem claro que o homem estava fazendo de tudo para nos evitar.

Lydia e eu estávamos nos vendo pouco, já que ainda dormíamos com nossos namorados. Eu ia no nosso quarto umas duas vezes por dia – uma de manhã e uma de tarde. Normalmente o outro quarto estava silencioso, mas isso não fazia eu me sentir nem um pouco melhor. Eu sempre tinha a impressão de que algo estava do outro lado da parede, me observando. Era como a calmaria antes da tempestade.

Na quinta-feira antes do Halloween eu fui no meu quarto para tomar uma chuveirada no início da noite, mas bem mais tarde do que normalmente. Eu tinha visto a Lydia de tarde e ela me disse que já tinha levado um estoque de roupas para o quarto do Mike, o suficiente para até depois da formatura, então eu sabia que estaria sozinha.

Eu tomei banho no banheiro do corredor - não ficava confortável no banheiro do meu quarto - e voltei para o meu quarto, para trocar de roupa. Eu devia encontrar com o Ian em uns 30 minutos para irmos a uma festa e queria sair dali o mais rápido o possível.

Como o silêncio estava me deixando nervosa, liguei meu iPod na caixa de som e coloquei AC/DC para tocar. 

Eu me vesti e fui para a frente do espelho secar o cabelo. Eu abaixei a cabeça e passei o secador por baixo do cabelo, para tentar dar algum volume. Quando levantei a cabeça e desliguei o secador, imediatamente notei o silêncio no quarto. Mas essa não foi a única coisa que eu notei.

Eu não estava mais no meu quarto. Atrás de mim estavam refletidas as cabeceiras velhas e sujas e as enormes janelas do quarto 733. Eu me virei em pânico, percebendo que eu estava sim no meu quarto. Olhei para o espelho e vi que o 733 ainda estava refletido ali. Um leve movimento atrás de mim foi o bastante para me fazer sair correndo.

Eu agarrei minha bolsa e meu telefone e fugi do quarto, batendo a porta atrás de mim. Na descida do elevador, liguei para a Alice.

“Eu não posso mais fazer isso.” Eu disse assim que ela atendeu. “Eu não posso mais voltar naquele quarto, nunca mais.”

“O que aconteceu?”

Eu contei tudo.

“Meu deus. O que você quer fazer agora?” Ela perguntou.

“Eu preciso falar com alguém que saiba que droga está acontecendo. Tom Moen é a única pessoa que nós conhecemos que estava aqui em 1961?”

“Que eu saiba.. Talvez consigamos falar com ele amanhã de manhã. Nós o encurralamos e nos recusamos a deixá-lo ir até que nos conte algo. Ele chega às 6:30 de acordo com o horário que eu tenho. Quer me encontrar perto do Starbucks?”

“Com toda certeza. Eu tenho aula às 7:30, mas foda-se.”

“Okay. Te vejo lá então.”

Eu não era muito fã de festas mas estava feliz de estar indo pra uma hoje. Assim que chegamos pedi ao Ian para me pegar uma bebida. Como eu não sou do tipo que bebe ele levantou uma sobrancelha para mim. Contei brevemente o que tinha acontecido, torcendo para que ele não achasse que sou louca.

Ian me deu uísque e coca. Foi a primeira dose de muitas.

Por volta de meia noite eu saí para fumar e dar uma olhada no meu celular. Tinha uma mensagem de voz da Lydia, deixada às 23:04.

“Oi, Becca, escuta, eu tive, argh, eu tive uma briga enorme com o Mike. Ele, bem, eu acho que a fraternidade dele decidiu que no Halloween deste ano todos os calouros tem que passar a noite no Quarto do Suicídio. No nosso dormitório. Eu só... Eu não consigo entender, sabe? Ele sabe tudo o que tá acontecendo com a gente e ainda sim concorda com isso. Agora ele está tentando me convencer que a Sigma Chi está por trás de todas as esquisitices que estão acontecendo no quarto 733 porque estavam tentando preparar o ambiente para sua festinha de Halloween. Eu não posso-”

A gravação terminou e eu joguei meu celular na bolsa, irritada. Não é de se admirar que a Lydia esteja brava. Isso não é bom. Nem um pouquinho.

Procurei o Ian e pedi para que ele me levasse para casa. Eu estava muito cansada, muito estressada e muito bêbada.

Quando o alarme tocou às 6:00, precisei de todas as minhas forças para sair da cama. Coloquei as roupas que tinha usado na noite anterior e me arrastei pelo caminho.

Alice já estava lá, com um copo de café preto nas mãos.

“Eu imaginei que você precisaria disso.” Ela riu.

“Como você sabe?”

“Suas mensagens.”

“Eu te mandei mensagens na noite passada?”

“Sim. Por volta das 1:00. Você me contou sobre a Sigma Chi.”

“Oh, meu Deus, verdade.” Eu tirei meus óculos de sol e abaixei o capuz.

“Aqueles caras são uns idiotas. Lembra o que eu te disse sobre aquela coisa ser uma trapaceira? E se ela perturbou vocês para deixar o quarto provocativo? Você sabe, para seduzir as pessoas a entrarem? Ninguém entra lá há anos, você consegue imaginar o quão faminta ela deve estar?”

“Você acha que eles estão mesmo em perigo?” Eu perguntei enquanto me sentava nas escadas do prédio da administração.

“Sim. Na verdade, o único ponto que eles tem a favor é que todas as vítimas de suicídio estavam sozinhas quando morreram.”

“Então, isso vai ficar mais fraco com todos eles lá dentro?”

“Provavelmente. Nós poderíamos saber muito mais se soubéssemos o que é isso. E nós não podemos saber o que é isso sem saber de onde veio e porque está aqui. É por isso que precisamos de Moen.”

“Que horas ele deve chegar aqui?”

“Teoricamente, há 20 minutos atrás.” Alice disse, desanimada.

Esperamos mais 30 minutos antes de aceitarmos o fato de que o senhor Moen tinha escapado da gente, como sempre. Fomos até a porta da frente, esperando que conseguíssemos marcar uma hora com ele desta vez.

A mulher na recepção nos olhou com frieza.

“Tom não vem hoje. Aliás, nem em nenhum outro dia. Ele se demitiu ontem. Parece que vocês não poderão mais perturbá-lo.”

“Nós não estávamos o perturbando.” Eu disse. “Só precisávamos urgentemente falar com ele.”

“E ainda precisamos.” Adicionou Alice.

“Bem, vocês não conseguirão nenhuma informação pessoal dele comigo.” Ela disse maliciosamente e se afastou.

“Que droga nós vamos fazer agora?” Eu perguntei para Alice.

“Sem Tom Moen não tem mais nada que se possa fazer.”

“Alice, droga, eu não posso voltar àquela porcaria de quarto.”

“Bem, então acho que é um alívio saber que suas transferências já foram aceitas.”

“Foram?”

“Sim. Eu recebi a notícia por e-mail esta manhã.”

“Graças a Deus.”

“Eu achei que você ficaria feliz. Eu também convenci meu chefe a não colocar mais ninguém no quarto 734.”

“Muito obrigada.”

“Só tem uma coisa, você só vai poder se mudar na segunda.”

“Eu consigo sobreviver ao fim de semana, especialmente agora que o fim está tão próximo. Preciso contar isso pra Lydia.”

Eu abri meu celular para discar o número de Lydia mas minha atenção foi tomada pelo “1” em vermelho no canto da tela, indicando que havia uma mensagem de voz. Coloquei para reproduzir. Era o resto da mensagem da noite passada.

“-nem ao menos olhar para a cara idiota dele mais, então eu estou indo para o nosso quarto. Não se preocupe comigo, eu vou ficar bem. Eu estou bêbada o bastante para apagar mesmo com umas esquisitices acontecendo no quarto ao lado. Eu só estou tão irritada. Eu sinceramente preferiria ter que lidar com a Beth Burra agora do que com o Michael-Meus-Pais-Devem-Ser-Irmãos-Porque-Eu-Sou-Tão-Retardado-Benson. Vamos sair amanhã. Te amo!”

A mensagem terminou.

“Merda.”

Alice me deu um olhar interrogativo.

“Lydia passou a noite no nosso quarto.”

Alice se encolheu.

“Mas ela está bem, né?”

“Desde que ela não entre no 733.”

“Ela não entrou.” Eu lembrei das janelas enormes do quarto. O mero pensamento sobre elas era o bastante para manter Lydia longe.

“Então tudo bem. Já que não temos mais nada para fazer, quer dar uma olhada nos livros de teologia na livraria? Acho que é a única coisa aberta agora.”

“Claro.” Eu dei de ombros. Minha próxima aula era só às 10 mesmo.

A velhinha que estava sentada atrás do balcão da biblioteca devia ter uns 1000 anos. Senhora Stapley tinha olhos pequenos e aguados, e sua pele parecia que estava derretendo. Mas ela era muito legal e conhecia muito bem a biblioteca, e embora tenha nos olhado com curiosidade, nos mandou na direção certa para os livros de demonologia.

Não tinha muita coisa. Nós lemos tudo o que conseguimos, mas muita coisa não era relevante ou não estava em inglês. Nós voltamos para sua mesa 30 minutos depois.

“Ah... Você tem alguma coisa sobre ocultismo?”

“Ocultismo? Ah...” Sua voz foi sumindo. “Sim, nós temos. Ali à esquerda da seção de referência.”

“Ok, obrigada. E desculpe, eu estou com muita ressaca para usar o Sistema Decimal de Dewey.” Eu disse.

“Eu não acho que ela goste da gente.” Alice sussurrou enquanto nos afastávamos.

“Da gente ou do assunto que estamos pesquisando?”

“Provavelmente nenhum dos dois.”

Dentro de uma hora nós estávamos voltando a sua mesa, para pedir mais informações. Dava para perceber que estávamos a incomodando porque seus olhos se estreitaram com desconfiança a medida que nos aproximávamos.

“Ah, desculpe, você sabe onde podemos achar algo sobre sessões espíritas ou tabuleiros de Ouija ou-”

“Escutem aqui, meninas.” Senhora Stapley levantou de sua cadeira e nos encarou através de seus óculos. “Eu realmente espero que isso seja para alguma aula.”

“É sim.” Eu disse.

“Não é.” Alice disse simultaneamente. “É uma pesquisa pessoal.”

“Pesquisa? Que tipo de pesquisa?”

“Olha, nós não vamos usar um tabuleiro de Ouija ou algo do tipo...” Eu disse.

“Acho bom mesmo.” Senhora Stapley alisou a calça de pregas e sentou-se novamente. “Porque eu não quero ter esse tipo de coisa acontecendo aqui de novo.”

“De novo?” Alice se agarrou a oportunidade de conseguir alguma informação.

A senhora pareceu ficar muito desconfortável de repente e começou a mexer em uma pilha de livros que estavam sobre a mesa.

“Nós devemos ter algo sobre sessões-”

“Senhora Stapley, nós estamos pesquisando sobre o que aconteceu no quarto 733 em 1961.” Alice interrompeu.

“E também sobre o que tem acontecido lá desde então.”

“Bem, não é nenhum segredo, não é? Uma estudante cometeu suicídio naquele quarto. Terrível, mas não é algo inédito num campus universitário.”

“Cinco estudantes.” Eu a corrigi.

“Mas você sabe disso, né?” Alice tinha começado a falar bem rápido. “Porque você parece conhecer muito bem esta história. Por favor, nos diga como começou e talvez nós consigamos acabar com isso.”

“Acabar com isso?” A voz da senhora Stapley ficou mais baixa, porém mais concentrada. “Não seja tão arrogante, mocinha. Você não pode acabar com isso. Pessoas sempre morreram naquele quarto e continuarão morrendo. Não tem como acabar com isso então o melhor que você pode fazer é ficar longe.”

“Mas talvez se nós soubéssemos como isso começou-”

“Isso começou exatamente como você acha que começou. Mas todos os envolvidos estão bem velhos ou bem mortos agora. Apenas fique longe daquele quarto. Se concentre nos seus estudos.”

Eu me debrucei na mesa dela. “Eu adoraria, mas, veja, eles colocaram minha amiga e eu no quarto do lado. Talvez você consiga esquecer os suicídios, mas nós não. Ele não nos deixa.”

“Mocinha, eu nunca vou esquecer.” A voz da senhora Stapley estava ainda mais baixa. “Minha amiga, Ellen, foi a primeira a ser morta naquele quarto. Ela era minha melhor amiga e não tem uma noite que eu não a imagine saindo por aquela minúscula janela, com os pés descalços em cima daquele parapeito gelado, e depois pulando do 7º andar.

Alice suspirou. “Eu lamento muito. Eu não tinha ideia.”

“Sim, essas são velhas feridas, minha querida. Agora, meninas, eu sugiro que você peçam para mudar de quarto imediatamente. Ninguém deveria estar morando naquela ala do 7º andar. Isso é tudo que eu vou contar para vocês.”

Alice suspirou mas resignou-se a acenar com a cabeça. Não conseguiríamos mais nada aqui. Ainda assim, foi um avanço – pelo menos tínhamos alguma informação agora.

Alice estava indo embora e eu ia segui-la mas meus pés não se mexiam. Uma coisa me incomodava – uma pequena palavra na história da senhora Stapley; uma pequena palavra que de repente parecia muito importante.

“É... Senhora Stapley?” Eu chamei a velha e cansada mulher, “Por que você se referiu às janelas do quarto 733 como pequenas? Porque eu já as vi e elas são enormes.”

“Querida, você está pensando no quarto de armazenamento. O quarto 733 é o do lado deste.”

“Nã-não.” Eu gaguejei, “Esse é o quarto 734.”

“Sim, ele é, agora. Quando eles construíram os novos quartos no corredor sul eles mudaram toda a numeração para um número a menos.”

Ai meu Deus. De repente eu me senti extremamente quente e enjoada.

“Aquele filho da puta manipulador.” Alice sussurrou para mim enquanto ficava pálida.

“Lydia.”

Atravessamos o campus correndo o mais rápido que conseguíamos, cruzando com os poucos estudantes (que ainda estavam com cara de sono) que tinham aula essa hora da manhã.

Quando a construção apareceu em meu campo de visão, eu tropecei e meu sangue gelou. De onde estávamos podíamos ver claramente que as janelas do 733 estavam fechadas – a primeira e única vez que eu as vi assim - e a janela do meu quarto estava aberta.

Corremos para a entrada, passando por vários calouros que saiam do elevador apressados para as suas aulas. Eu apertei o 7 e as portas fecharam mais lentamente do que nunca. Encostei-me na parede, tentando regular minha respiração.

“Alice, como isso pôde acontecer?”

“Eu não sei. Eu não tenho ideia.”

“Ela esteve lá a noite inteira, Alice. No nosso quarto. Sozinha.”

Alice fez que sim com a cabeça mas não disse nada.

Quando as portas finalmente abriram no sétimo andar, nos deparamos com um corredor vazio e silencioso. Chegando, eu virei a maçaneta, torcendo para que a porta não estivesse trancada, e não estava.

Lydia olhou para mim. E por um momento, um reflexo cruel de esperança passou pelo rosto dela.

Mas era tarde demais. No momento seguinte, ela inclinou-se um pouco para frente, e caiu.

Ela gritou até alcançar o chão.

Alice correu para o parapeito onde Lydia estava agora mesmo enquanto eu permaneci imóvel, sem reação. Ela colocou a cabeça para fora da janela e olhou para baixo. Vários estudantes gritavam. Alice cobriu a boca com as mãos e saiu da janela, enquanto lágrimas de choque corriam por seu rosto pálido.

Os gritos lá fora ficavam maiores a medida que mais pessoas viam o que restou da minha melhor amiga na calçada. Encostei-me no armário e escorreguei para o chão. Uma morte assim.. Lydia morria de medo de morrer assim...

Eu distraidamente peguei um dos desenhos que estavam espalhados por todo o chão. Era a mãe de Lydia. Ela estava morta. Peguei outro desenho. Era a irmãzinha de Lydia. Ela estava morta também. Tinha dezenas de desenhos como esses jogados no chão. Lydia esteve bem ocupada durante a noite. Quanto ao que tinha neles, eu não posso dizer. Lydia era uma artista talentosa, e eu só consegui ver alguns antes de ficar nauseada.

Alice estava na porta, gritando algo no corredor. Eu não sei o que ela estava dizendo pois tudo o que eu conseguia ouvir era meu próprio choro. De repente, um pedaço de papel que estava preso na porta do armário caiu e deslizou até mim. Eu o peguei e analisei por um momento.

Era um desenho da Lydia também, mas não era como os outros. Era um desenho do nosso armário do meu exato ponto de vista. No desenho a porta tinha uma rachadura e havia algo dentro dele, encarando da escuridão.

Eu deixei o papel de lado e estudei o armário. Tinha uma rachadura na porta, igual no desenho. Eu pisquei os olhos e tentei ver o que tinha lá dentro. Assim que eu comecei a distinguir as linhas de um longo rosto me olhando de volta, Alice puxou meus pés.

“Nós precisamos sair daqui.” Acho que foi isso o que ela disse.

Nunca voltei naquele quarto. Meus pais se responsabilizaram por fazer a mudança e eu passei o resto do semestre num apartamento fora do campus. Na primavera eu me transferi para fora do estado e terminei minha licenciatura lá.

Todas as noites eu sonho com Lydia se espremendo para fora da pequena janela, apoiando-se no parapeito frio, levantando-se sabendo que não há nada entre seu corpo e o terrível abismo a sua frente. Vejo-a olhar a calçada, sete andares abaixo e perceber, embora não queira aceitar, seu terrível destino. Eu vejo o horror cruzar sua feição tão familiar. Eu escuto seu coração batendo descontroladamente, tentando desesperadamente correr por toda batida da vida que ela deveria ter vivido, e sabendo que agora tem apenas mais alguns meros segundos.

Eu a vejo me olhar, com tristeza, e então cair.

Já faz 9 anos desde aquele dia. E todo início de semestre, há 9 anos, eu ligo para o Setor de Residência para conferir que alas do dormitório serão abertas para os novos estudantes. O sétimo andar está fechado.

Este ano, acabei me enrolando com o trabalho e a vida, em geral, e liguei muito mais tarde que o habitual. Fui colocada imediatamente em espera.

“Setor de Residência Estudantil.” Um homem finalmente atendeu. “Você está procurando quartos vagos?”

“Sim.”

“Bem, nós estamos totalmente cheios e há uma grande lista de espera. Mas, aparentemente você tem uma grande sorte. Não estou prometendo nada, mas talvez eu consiga te colocar num quarto. Nós conseguimos permissão esta manhã.”

“Permissão para que?” Eu perguntei receosa

“Nós estamos abrindo o sétimo andar.”

Traduzido e adaptado por Refúgio do Terror

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