Manual do espelho


Eu havia me mudado para o pequeno apartamento da minha irmã. Ela, infelizmente, foi presa por agredir um policial e como não tinha ninguém para ficar lá, cá estou, arrumando as coisas. Bem, não mudei muito coisa, já que ela era bastante organizada. Comecei então a bisbilhotar suas coisas pessoais. O notebook dela estava cheio de vídeos pornô baixados, algumas fotos de uma viagem curta e receitas de macarrão, porém nada de íntimo.

Depois de calmamente ter levado o note para a sala, resolvi ver se ela tinha algo escrito em seu caderno, pois eu adorava dedurar para minha mãe os seus ficantes. Abri sua bolsa da faculdade, havia alguns livros pichados, caderno com anotações, nada de mais, até que encontrei um pequeno diário. Comecei a folhear, entretanto, não achei nada além de alguns manuais esquisitos. Parei de pular as páginas e decidi ler um pouco.

Como deve-se agir na frente do espelho.

Se o lugar ou ambiente tiver um espelho, mesmo que insignificante, passe direto por ele.
Se seu rosto estiver ferido ou sujo, você tem direito a olhar por 5 segundos.
Caso passar da marca de cinco segundos, aguente as consequências de seu ato.
Em hipótese alguma olhe nos olhos de seu reflexo.
Em hipótese alguma sorria para o espelho.
Você não pode quebrar um espelho, mesmo que este o atormente.

Fiquei meio preocupado com isso, porém não achei que aquilo era sério.

Um dia, numa partida de futebol, tive um leve corte no queixo, voltei para casa para tratar o ferimento que sangrava um pouco. O único espelho que tinha naquele lugar era no banheiro, acima da pia; cheguei lá e abri a torneira para me limpar da sujeira. Não sei o porquê daquele lugar ser tão frio... Comecei a me observar, era um pequeno filete carmesim que caía, coloquei minha mão debaixo da água e passei no corte. Enquanto realizava o ato, notei meus olhos brilharem no reflexo, eram um brilho tão... maravilhoso, que me dava vontade de olhá-lo o dia todo. Com certeza passei mais que 5 segundos.

O meu dia foi bom, almocei tarde, e provei uma das receitas de macarrão do caderno de minha irmã, mas me sujei todo de molho. Impaciente, fui até a pia da cozinha e abri a torneira, porém a água não desceu, comecei a abrir mais, e nada da água sair. Eu estava com pressa, já que teria prova. Deduzi que o cano poderia estar entupido, então fui em direção ao banheiro. Estava tudo normal, a não ser um pouco de lodo estar nas extremidades do espelho, achei que por desleixo meu não tinha percebido a sujeira e resolvi limpar depois. Certifiquei-me que saía água e dessa vez funcionou perfeitamente. Primeiro lavei as mãos, sem precisar me olhar no espelho sujo, só que minha boca estava toda suja e então eu tive que olhar. Abri a boca, meus dentes estavam completamente sujos, com macarrão grudado até na gengiva, comecei a escová-los, coloquei água na boca, gargarejei e cuspi no ralo da pia.

Por fim, dei um sorriso para averiguar a situação, ninguém pode descrever o que senti.

O sorriso estava um pouco mais espaçado do que o normal. Havia algo de errado... A única coisa que comecei a pensar era como aquilo era pequeno e nada atraente. Forcei os cantos da boca, para sorrir ainda mais, enquanto minhas bochechas eram contraídas em relevos de minha pele, estava admirado, mas era como se, ao mesmo tempo, estivesse em um transe macabro. Eu nem sequer me reconhecia diante daquele reflexo.

Dei um tapa na minha cabeça e resolvi sair dali, era ridículo aquilo!

Após a prova, meu amigo, Renan, me chamou para ir na sua casa e eu aceitei sem pensar duas vezes. Ele estava preocupado comigo, pois minha pele estava um pouco esbranquiçada, mas eu falei que devia ser apenas uma gripe boba, e que não me sentia doente.

Sua casa era um pouco pequena, e o que mais me chamou atenção foi uma pequena parede espelhada no corredor. Eu precisava passar por ela para ir para o quarto do Renan (ele queria jogar GTA IV comigo). Ele foi na frente, mas eu estava pouco temeroso. Não sei o porquê, mas me sentia intimidado em passar. Renan chegou ao seu quarto e ficou me perguntando porque eu ainda estava parado.

Respondi que não estava bem, e o rapaz rapidamente veio em minha direção e começou a me puxar pelo pulso enquanto eu tentava me soltar. Quando me fez passar em frente ao espelho entrei em pânico e comecei a me debater enquanto olhava o reflexo; o de Renan estava normal, porém o meu estava um pouco escuro e tudo que podia ver de meu rosto eram meus olhos, marcados por um contorno negro. O reflexo me fitava igualmente, os olhos eram muito aterrorizantes, e na sua boca havia um sorriso. Gritei desesperado, Renan me soltou e eu cai no chão atordoado. Quando consegui me levantar, saí correndo de lá. Voltei rapidamente para o apartamento e, em pânico, tranquei a porta. Já começara a anoitecer e eu apenas tremia. Respirei fundo e tentei me convencer que era apenas coisa da minha cabeça e que não havia nada de errado acontecendo.

Passei sete dias ignorando o meu banheiro. Parece estranho? Se é. Como a única pia que funcionava era a do banheiro, comecei a comprar marmitas, cujo os talheres eram de plástico e mandava minha roupa pra lavandaria. Fezes e urina? Apenas fazia no banheiro da minha escola (antes, eu nem passava por lá) - dei graças a Deus que duas semanas atrás quebraram o espelho e ele foi tirado de lá.

Meu cheiro era degradante, eu tinha que tomar banho. Peguei a toalha e entrei relutante no banheiro, de olhos fechados. Abri a torneira e deixei a água descer, enquanto me ensaboava. Após o longo banho, me cobri com a toalha e fui abrir a porta, mas ela parecia emperrada. Desesperado, comecei a forçar a maçaneta, porém, nada adiantava. Eu não ficaria no mesmo ambiente que aquela merda de espelho, então continuei o trabalho, mesmo molhando o chão. Decidi arrombá-la, mas quando usei o impulso da minha perna, escorreguei e a última coisa que vi foi o espelho cair.

Acordei um pouco depois, com um leve galo na cabeça. Quando olhei de relance para aquele maldito espelho, observei que um lado estava ainda mais alastrado. Virei meu rosto, estava tonto devido a queda, e dessa vez a porta abriu.

De noite, uma forte febre me abateu. Fiquei na sala, enroscado no lençol, pois queria muito dormir e comecei a ouvir ruídos no banheiro, eram como passos. Senti uma súbita friagem nos pés. Evitei olhar na direção daquele cômodo, e depois comecei a ouvir objetos se quebrando. Assim terminou minha noite.

Comecei a evitar qualquer coisa com reflexo, nem mesmo olhava nos olhos das pessoas, temendo o que veria lá. Estava paranóico e beirando a insanidade. Por fim, decidi acabar com meu sofrimento. Primeiro olhei o diário da minha irmã, e tudo que vi lá eram as descrições do reflexo dela a perseguindo de maneira horrorosa.

Agarrei o enorme martelo que havia na pia da cozinha e resolvi enfrentar o demônio. Prossegui apavorado e, com o martelo apoiado no ombro, abri lentamente a porta do banheiro. Ele estava intocado. Intocado? Que merda foi aquela que ouvi então?

Observei aquele espelho por uma última vez. O reflexo estava me intimidando, mordendo os lábios e me encarando friamente. Ergui o martelo, ele nada fez a não ser me observar, então com toda a minha  força, destrocei o espelho, caco por caco, enquanto observei-o cair da parede e ir de encontro no chão. Dei um sorriso de vitória.

Foi então que escutei. Risadas e mais risadas e quando fixei o olhar para o chão cheio dos cacos, havia vários reflexos de mim, todos rindo frenéticos, como se tivessem um demônio dentro deles ou se eles fossem os próprios demônios, comecei a esmagar os cacos, mais e mais e as risadas prosseguiram e aumentaram...

E agora estou nessa cadeia, por vontade própria. Sabe, aqui não tem espelhos e nem tenho companhia para ver nos olhos dos outros, o problema é que aqui faz muito calor, acho que é porque as paredes são acolchoadas demais.

Adaptado por Refúgio do Terror
Fontes: 
CreepypastaBrasil
Flickr

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